Conversamos com o pastor luterano Werner Fuchs, representante da RENAS no CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). Ele falou sobre as expectativas para a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que acontecerá nos próximos dias, de 3 a 6 de novembro, em Brasília [saiba mais aqui] e sobre como a igreja deve se envolver na causa.
Por que uma conferência como esta é importante para a sociedade (no geral) e para a igreja (em específico)?
Werner Fuchs – Vivemos uma cidadania anestesiada. A grande mídia leva a superficialismos, não ao engajamento em causas dignas. Os processos de conferências são uma das poucas oportunidades para sair de um círculo restrito, envolvendo mais gente no tema, e para propor e monitorar políticas de interesse popular. Cristãos e igrejas têm de se engajar nessa forma de democracia participativa, principalmente porque o tema da alimentação tem muito a ver com o evangelho, não somente como direito de todos, mas também como alerta crítico. Por exemplo, após alimentar uma multidão, Jesus instruiu os discípulos a recolherem as sobras “para que nada se perca” (João 6.12), uma clara orientação a favor da justa distribuição e contra o desperdício dos bens concedidos por Deus.
A 5ª Conferência ocorre num contexto em que o Brasil saiu do Mapa da Fome, conforme relatório de 2014 divulgado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mas o sobrepeso já atinge metade da população adulta do país. Em sua opinião, que assuntos vão gerar mais discussão na conferência?
Werner Fuchs – Sim, sair do mapa da fome em poucos anos é algo inédito no Brasil. Deve-se à compreensão da segurança alimentar não como caridade e assistência, mas como direito humano. Se é direito, tem de ser para todos. Essa universalização dos programas e o controle pela sociedade levaram à possibilidade de acesso ao alimento para quase toda a população. Mas ainda existem grupos em risco, por exemplo, os indígenas, muitos deles ameaçados em seus territórios. Outro tema será a qualidade dos alimentos, a diversidade contra uma dieta uniformizada e altamente industrializada. Nesse contexto merecerá destaque a expansão da produção agroecológica de alimentos sem agrotóxicos e também a agricultura urbana, ocupando quintais e terrenos baldios para a produção de verduras e frutas, entre outros, o melhor remédio contra a obesidade.
O que você espera que aconteça, de prático, após a conferência?
Werner Fuchs – A 5ª Conferência estabelece diretrizes para os próximos quatro anos e possui um peso político importante, pois para a agenda da segurança alimentar e nutricional convergem atualmente inúmeras lutas sociais, da reforma agrária ao melhoramento da alimentação escolar, do cuidado com a água à luta contra os agrotóxicos e transgênicos, da defesa das sementes crioulas à propaganda de alimentos infantis. O plano plurianual do governo para 2016 a 2019 já está sendo discutido no Congresso, mas talvez ainda seja possível influir nele. Haverá principalmente um esforço para assegurar recursos para os programas no orçamento apertado do governo. Também acontecerão avanços em nível dos Estados, que precisam destinar recursos e formular políticas mais coerentes de segurança alimentar e nutricional. Moções aprovadas na Conferência também poderão trazer novos impulsos para causas específicas.
Você representa a RENAS no CONSEA. Como você acha que os parceiros da RENAS deveriam se envolver nos conselhos de segurança alimentar e nutricional?
Werner Fuchs – Já existe envolvimento de cristãos e pastores em vários níveis. Os parceiros da RENAS precisam ampliar a informação e estimular a participação de suas organizações, salientando sempre que se trata de uma política de duas pontas, beneficiando quem produz e quem recebe o alimento. E a produção sem agrotóxicos também beneficia a boa criação de Deus. Não cuidar da nossa casa comum significa um risco para todos. Para concretizar o lema “Comida de verdade no campo e na cidade – por direitos e soberania alimentar” é necessário que ocupemos todos os espaços possíveis, quanto mais melhor. Porque são imensas as forças contrárias, por exemplo, o agronegócio dependente de insumos do exterior e dos bancos, a monocultura de cana e celulose que reduz as áreas para cultivo de alimentos, a desinformação sobre bons hábitos alimentares que leva à obesidade, etc.
Por favor, faça um balanço do que aconteceu de mais importante no CONSEA neste tempo em que o sr. está como representante da RENAS.
Werner Fuchs – Como órgão assessor da Presidência da República, o CONSEA dialoga diretamente com representantes governamentais convocados, às vezes com ministros. São onze ministérios que compõem a CAISAN (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional). Existem no CONSEA comissões que discutem e preparam vários temas permanentes. Participei da Comissão sobre produção e acesso aos alimentos e de um grupo de trabalho sobre agricultura urbana. Preparamos alguns temas principais para as plenárias, como a própria agricultura urbana, o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos (compra direta para entidades sociais) e o PNAE (merenda escolar), a piscicultura e pesca artesanal. Além disso surgiram temas trazidos por outras comissões ou pelo momento, como o lançamento do novo Guia Alimentar Brasileiro pelo ministro da saúde, e as relações internacionais do CONSEA, especialmente com vistas ao PAA-África (compras governamentais de agricultores locais para a alimentação escolar). Houve também uma importante reunião conjunta com o CONDRAF – Conselho do Desenvolvimento Rural e da Agricultura Familiar – e com a CNAPO – Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
E, por fim, como o tema da segurança alimentar se relaciona com a missão cristã no mundo?
Werner Fuchs – Há uma larga base bíblica, desde o direito dos pobres em recolher sobras da colheita a partir da Festa das Semanas (Pentecostes) até a visão da Nova Jerusalém no Apocalipse, em que as árvores dão frutos a cada mês e suas folhas servem para a saúde das nações. Assim, como é inerente a qualquer ação missionária lutar contra o escravismo e a favor da dignidade humana, da educação e da liberdade democrática, também o “pão nosso de cada dia” não pode ser excluído da missão que quiser dirigir-se ao ser humano todo, e não apenas a um pedaço dele. Nas últimas décadas muitas obras missionárias unificaram ação evangelística e ação social e diaconal. Não se faz missão sem amor, que significa deixar de olhar para o próprio umbigo, e não se pode amar a Deus a quem não se vê sem amar o próximo a quem se vê (1 João 4.10). Missão de olhos fechados? Jamais!